Luiza Lusvarghi

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Devil in Ohio. Madeleine Arthur as Mae Dodd in episode 107 of Devil in Ohio. Cr. Ricardo Hubbs/Netflix
Kyle Strauts (Birdman). Ricardo Hubbs/Netflix

A minissérie O Demônio em Ohio (Devil in Ohio, 2022), da autora estreante e roteirista experiente Daria Polastri, lançada este mês pela Netflix, aborda um tema que é caro aos Estados Unidos,  terra do Mayflower e do tio Sam – seitas devotadas ao demônio que reproduzem o ascetismo dos protestantes mórmons que colonizaram aquele País. Em cena, a dra fulana de Bones, a própria imagem da Santa redentora e heroína absoluta da trama, chega a exibir alguns desses estudos sobre a relação entre o seu País e essas sociedades secretas, mas provavelmente não tem tempo de folhear devidamente essas páginas. Logo, Dra Bones se vê envolvida pela sua abnegação e credulidade com uma seita de adoradores de Lucifer Morning Star, sem se dar conta de que pode destruir toda a sua família ao tentar salvar uma jovem do que para ela se assemelha a um simples caso de violência doméstica.

Emily Deschanel (Suzanne Mathis), e Madeleine Arthur (Mae Dodd). Ricardo Hubbs/Netflix

A vítima possuída aqui, Mae Dodd (Madeleine ARthur), é adoradora de Lucifer, e sua família quer exorcizar dela os “maus espíritos” que a impedem de se sacrificar por sua gente que vive presa a um delírio Amish, como no século passado, mas com um ideário que em tese seria uma contrapartida às comunidades cristãs primevas. O Diabo aqui, entretanto, não subverte a ordem, reproduz o status quo das religiões cristãs e as ideologias de comunidades sectárias que passam a ver na sociedade tecnológica a origem dos males e da infelicidade do mundo. Transitando no limbo entre séries teen de horror e fantasia, como Sabrina, e ansiosas para entrar no patamar de clássicos como O bebê de Rosemary, de Roman Polanski, O Demônio em Ohio não se define, e termina com uma situação que já deveria ter acontecido no terceiro episódio.

Heather Feeney é Purple-Robed Nun. Ricardo Hubbs/Netflix

As acusadas de bruxaria e de servas do demônio eram, invariavelmente, mulheres e adolescentes, sempre existiu uma clara alusão à inocência das vítimas de Lúcifer, como preferencialmente virgens, castas, que podiam ser seduzidas com mais facilidade. Aqui entra um detalhe interessante da minissérie: a dra Bones não é nem uma coisa nem outra, é uma mulher madura que teoricamente superou sua adolescência de abusos para converter-se numa psiquiatra, e sua protegida, de forma alguma poderia ser enquadrada com facilidade nesse perfil, embora seja, sim, uma adolescente virgem. A minissérie não faz quase uso da fantasia para justificar as crenças pagãs dos Dodd, mas deixa claro que eles estão presentes em nossa sociedade e são pessoas influentes. O que não ousa seu nome é mais citado do que visto, e na verdade, temos a sensação de que seus discípulos são mais perigosos do que as crenças a ele imputadas, e não passam de um bando de pessoas insanas e doentes, frustradas. Essa sensação, entretanto, não permite avançar da forma como seria desejável para um enredo que foi tão longe. A minissérie, neste quesito, promete mais do que cumpre. Mae representa a conciliação entre o ascetismo perverso dos cultos representados por comunidades como os Amish, que renegam a a sociedade tecnológica, e a sociedade pós-moderna consumista.

luizalusvarghi

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