Luiza Lusvarghi

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Cinema

Baby Gal nos cinemas: filme de Lo Politi e Dandara Ferreira

A cinebiografia de Gal Costa Meu nome é Gal, dirigida por Lo Politi e Dandara Ferreira que estreou nos cinemas de São Paulo mostra a jovem Gal chegando ao Rio para começar a sua grande aventura dentro da MPB, na flor da pele dos 20 e poucos anos, encarnada pela atriz Sophie Charlote. Este recorte acaba privilegiando um lado intimista e subjetivo de Gal, pouco conhecido do público, mas também o aspecto mais comportamental e revolucionário do grupo tropicalista dentro do qual a cantora irá se inserir em sua ascensão ao estrelato, orquestrada em grande parte pelo empresário Guilherme Araújo (Luis Lobiando, perfeito). Quando Caetano voltou de Londres rebolando no palco de batom vermelho, com músicas do álbum Transa (1972), ele fez muitos shows. Um deles foi na cidade onde nasci, no interior paulista, Lins. Caetano mal conseguiu cantar, foi intensamente vaiado e obviamente chamado de viado, dentre outras expressões nada elogiosas, e simplesmente foi embora. E Gal, a garota fatal, era ícone da geração do desbunde, fundadora-mor das Dunas da Gal, em Ipanema, no posto 9, fazendo topless, perversão total. Quando ela decide cantar Baby, que foi composta para Maria Bethânia, o Brasil parou para ouvir. Mutantes, Tropicália, Secos e Molhados, eram todos arautos de uma nova ordem musical mas de uma forma de pensar a vida.

Para quem for ao cinema buscar a intérprete, a voz mais afinada da MPB, segundo o implacável João Gilberto, a opção das diretoras pode ser um tanto decepcionante, a parte musical serve quase como pano de fundo para a história da garota que desafiou preconceitos e uma moral canhestra para impor sua sexualidade.  Quem viveu aquele período conturbado da vida política brasileira e suas mazelas vai se conectar imediatamente com o filme, e seu ponto forte. Hoje, as roupas e as atitudes do grupo tropicalista podem até parecer pueris, mas o fato é que Maria da Graça Costa Penna Burgos não foi apenas uma voz magistral, mas uma mulher que encarnou as mudanças históricas sobre o ser mulher nos anos de 1970 sob o olhar vigilante da ditadura brasileira. E por outro lado, o filme Meu nome é Gal   estabelece quem era a mulher mais importante do movimento – Ritta Lee saiu dos Mutantes para voo próprio, apesar de ter participado daquele momento e das apresentações – e o que ela representava para os padrões da época. Cenas como as que mostram Gal sendo xingada de puta na rua ao sair de uma balada de madrugada, ou ainda os comentários maldosos de duas mulheres ao vê-la passar, e não a reconhecer – “aquela hippie piolhenta não pode ser a Gal” justifica uma delas – são muito bem colocadas.

Uma pena que a produção tenha optado pela colocação de material de arquivo para reconstituir a época, pois muitas vezes certas cenas resultam confusas e gratuitas para quem não está familiarizado com nossa história recente. Outro recurso que nem sempre deixa a alma do filme  revelar a sua força estranha é a alternância entre a voz de Sophie e a de Gal nas apresentações. Nem sempre essa interação se faz clara, e isso rompe com a verossimilhança. Em Bohemian Rapsody, o premiado e talentoso Rami Malek foi dublado por Marc Martel, a ideia era fazer ao vivo, e não simplesmente dublar o artista, mas passar uma voz que tivesse o mesmo timbre. É importante deixar clara a ruptura.

Gal entrou para a história não somente como a voz mais afinada da MPB, mas como um ícone da nova geração, musa da contracultura, ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia, os amigos de Salvador que mudaram os rumos da música contemporânea brasileira. Em novembro de 1968, dias antes do anúncio do Ato Institucional 5, o AI-5, ela participou do IV Festival de Música Popular Brasileira com novo visual, de pura contestação, cantando Divino Maravilhoso, com seu famoso refrão – é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte.

Em dezembro daquele ano, Gil e Caetano seriam presos. No dia 12 de Setembro de 1971, aconteceu o show  Fa-tal/Gal a todo vapor, que renderia um disco ao vivo, no Teatro Thereza Raquel, o Terezão, em Copacabana, produzida por Wally Salomão, desafiando a ditadura militar e as convenções da época. A versão original de Vapor Barato, de Macalé e Salomão, se tornou histórica, e emblemática de uma juventude que queria ousar – não por acaso ela está no filme Terra Estrangeira de Walter Salles – e romper com as convenções em busca de um país melhor.

 

luizalusvarghi

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