Luiza Lusvarghi

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A minissérie Mare of Easttown, da HBO, que concorreu ao Globo de Ouro nas categorias melhor série limitada de drama, e perdeu para The Underground Railroad, garantiu o prêmio de melhor atriz de drama a Kate Winslet, em  estupenda performance, em um dos melhores lançamentos da HBO do ano que passou. O drama, criação de Brad Ingelsby,na verdade uma série de crime noir, acompanha o dia a dia nada glamouroso da policial Mare Sheehan no bairro suburbano de Easttown, na Pensilvânia,  Estados Unidos, onde todos se conhecem, e ela tem uma vida pacata e tediosa como arrimo de família.

Para quebrar com essa monotonia, surge um improvável par amoroso, papel interpretado pelo australiano Guy Pearce, que interpreta um intelectual provinciano, professor e escritor, que se aproxima de Mare num momento bastante delicado. Mare, que já foi uma atleta local na juventude, tenta resolver sem sucesso um caso de assassinato, enquanto lida com os problemas típicos de uma mãe divorciada que incluem a perda do  filho por suicídio e uma nora viciada em heroína.

Para completar, sua filha, Siobhan Sheehan (Angourie Rice) Siobhan Sheehan (Angourie Rice) está passando por um processo de transição de identidade de gênero, com apoio da família, atravessa crises com a namorada, Becca (Madeline Weinstein), mas sempre exercendo a função de porto seguro de Mare. Enquanto Mare se empenha em manter o equilíbrio para tentar descobrir o assassino serial killer local, brigando com o ex-marido, com a mãe Helen (Jean Smart) e disputando a guarda do neto com a nora, sua filha adolescente, que tem uma banda de rock,  demonstra total equilíbrio e serenidade para lidar com a vida, fazendo o contraponto essencial para a atormentada policial.  Como parceiro na polícia, ela conta com o jovem detetive Colin Zabel, na pele do ator Evan Peters, popularizado como o rapaz lagosta Jimmy Darling da série antológica American Horror Story: Freak Show, da FX.

Essa riqueza de personagens, que espelha conflitos e questões de todos os grandes aglomerados urbanos, por si só, já seria suficiente para fazer da minissérie uma trama interessante de ser acompanhada. No entanto, Mare vai além, e deve isso em parte à atuação de Winslet. Sem maquiagem, sem lentes especiais, a atriz surge em cena como uma mulher comum, distante do glamour das estrelas, com imperfeições, alguma celulite, roupas sem nenhum encanto – ela impediu o diretor Craig de cortar a cena em que sua barriga aparece na cena de sexo. A mãe está o tempo todo preocupada com o figurino da filha policial, bastante desleixado e prático.

Por que Mare é tão fascinante? Porque em meio a todos esses tormentos cotidianos, assombrada pelo ato suicida do filho que amava, deprimida, ela jamais deixa transparecer desânimo ou vitimização, ela segue em frente confrontando a moral provinciana e vivendo a sua vida, sob os seus princípios, devotada ao seu trabalho e a sua comunidade, o mais importante em sua vida. Sem filtro, Winslet garante verossimilhança incomum à policial de subúrbio, que conclui sua investigação apesar de toda o descrédito que tem de encarar por parte de seus superiores e dos próprios habitantes, e revela o lado sombrio das relações familiares e de vizinhança. O elenco não a deixa sozinha nessa performance, desde a amiga Lori (Julianne Nicholson), mas o papel solo é todo dela, que aproveita cada minutos.

Embora a narrativa não traga nenhum discurso feminista explícito, a personagem é uma referência para se discutir a policial investigativa sem o estereótipo da mulher emasculada, violenta, típica dos thrillers de ação, e que ocupa um papel central no lugar onde mora e na sua família.  O centro do filme, que é um drama de suspense, não é a descoberta do enigma, mas justamente o trajeto percorrido pela protagonista para atingir seu objetivo, e para reafirmar seu papel na comunidade e sua capacidade profissional, que é posta à prova incessantemente, insegurança que as mulheres conhecem bem.

luizalusvarghi

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