Luiza Lusvarghi

post-header
Cinema

Irmandade – drama sensível sobre adolescência e universo feminino

Em seu filme de estreia, a diretora Dina Duma acerta em cheio ao construir seu drama sobre duas amigas inseparáveis, Jana e Maya, que vivem os conflitos típicos de qualquer adolescente. A descoberta da sexualidade, o conflito com a família, o tédio provocado por um ensino burocratizado e conservador, o machismo ainda presente nas relações entre os jovens, mascarada como modernidade, e aqui, permeada, como não poderia deixar de ser, pela tecnologia. Assédio moral e sexual online, vídeos íntimos compartilhados, festinhas na praia regadas a bebida e drogas, a cultura do cancelamento, são apenas novos rótulos para velhos e conhecidos procedimentos.

Ser ou não ser virgem, na trama, se coloca como nos anos 60 e 70, apenas uma forma de aceitação, e não de uma liberação autêntica. Dina consegue extrair de uma situação aparentemente muito atual o que ela tem em comum com o passado recente das gerações anteriores, e é quase  impossível não se identificar com as garotas nesse processo tão intenso de ruptura com a menina que repentinamente se torna uma mulher. As duas garotas aqui representam, de certa forma, diferentes possibilidades de lidar com essas questões. Jana é desinibida e brinca com sua sexualidade, é obcecada por sexo, ostensiva, e tem uma ascendência quase absoluta sobre Maya, mais tímida, que acaba sendo sempre manipulada a realizar os desejos da outra, por pura insegurança.

O filme, no entanto, trabalha esses conflitos mais com imagens e atitudes, do que propriamente em diálogos muito estruturados. Os pais de Maya estão se separando, ela se sente bastante desamparada, embora não demonstre e nos damos conta disso na cena em que ela vê o carro do pai, taxista, parado na porta de sua casa. Ele veio buscar a última caixa, diz. Revoltada, ela o chama pelo nome próprio como se fosse apenas um conhecido da família. Ao longo do filme, descobrimos que na verdade foi ele quem decidiu ir embora, em busca de outra vida. Toda a história se desenvolve a partir da visão de Maya, e, naturalmente, a um dado momento, percebemos claramente como ela tem dificuldade de lidar com a realidade que é evidente para o espectador. Esse é um trunfo do roteiro, que dessa forma deixa claro que, na verdade, a protagonista começa a fazer sua própria jornada de autodescoberta, a sua passagem para a idade adulta, o que é sempre solitário e apavorante. Ela não vê porque prefere não ver, tem medo de aceitar a realidade e a responsabilidade que isso acarreta.

A amizade das duas tem uma relação muito forte com a água, quase um liquido amniótico em cenas que transbordam de sensualidade e de poesia. É através da água , do treino de natação e dos mergulhos que ambas se reconhecem como iguais, e, ao mesmo tempo, que se percebem com suas diferenças. As tensões se espraiam e se agudizam na piscina, o que vai levar a uma inevitável ruptura, especialmente quando Elena, uma das garotas da escola, odiada por Jana,  morre de forma inexplicável e misteriosa, após ter um vídeo íntimo postado na internet por Maya, sob influência da amiga. O processo de investigação leva Maya a uma crise de consciência e de reflexão que num primeiro momento promove a sua desestruturação emocional, e desperta a ira de Jana, que começa a perseguí-la utilizando as mesmas táticas que usou para acabar com a garota desaparecida , para logo em seguida fortalecer a sua psiquê de forma intensa. O desfecho é ainda mais interessante. Não sabemos o que vai acontecer efetivamente com as duas amigas a partir dali. Mesmo porque o mais importante já aconteceu – Maya é agora uma mulher capaz de tomar suas próprias decisões na vida e no amor. O título em inglês, Sisterhood, seria mais compreensível traduzido como sororidade.Um belo filme, selecionado para representar seu país, a Macedônia do Norte, no Oscar deste ano. #45mostra

Luiza Lusvarghi

Pesquisadora e critica de Cinema e Audiovisual, professora da Unicamp SP

About Luiza Lusvarghi

Luiza Lusvarghi

Pesquisadora e critica de Cinema e Audiovisual, professora da Unicamp SP
Recommended Reads