Luiza Lusvarghi

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Ter um corpo perfeito parece ser a única coisa importante para David (Maurício Di Iorio), que acorda fazendo levantamento de peso. Seu cotidiano é a academia, e em casa, em vez de relaxar, ele dedica todo o seu tempo livre aos exercícios. No entanto, na medida em que a narrativa avança, percebemos que essa é a intenção – levar a audiência ao vazio emocional que se apodera do protagonista. A fotografia é escura, a luz difusa concorre para tornar o ambiente asfixiante. As cenas em que ele se exercita chegam a ser opressivas, de tão repetitivas, provocam angústia. A vida dele não é muito melhor do que essa sensação que nos atinge ao observar o seu treino. Na escola, ele sofre bulling dos outros garotos, pois sua beleza desperta a atenção das garotas, e não consegue se entrosar.

Para sua mãe e empresária, Juana (Umbra Colomba), a maior responsável pelos seus conflitos, nada que ele faça será suficiente, suas medidas sempre deixam a desejar. Essa insatisfação doentia é a sua forma de controle. Ela pouco se importa se ele tem uma vida social, se deseja algo mais além de esculpir os músculos e treinar. Artista plástica e mulher frustrada, ela projeta no filho, a sua maior realização, todas as suas ambições. A relação entre mãe e filho, a uma certa altura, beira o incesto, as cenas são tensas, e meticulosamente trabalhadas.

Exausto, David chega ao limite do esgotamento físico e mental, e tem um surto em meio a um happening promovido por sua mãe em uma galeria. Juana, insaciável, zela pelo seu físico com a mesma precisão de um escultor diante do mármore, inanimado. O nome de seu rebento evoca a perfeição de David, o herói bíblico esculpido por Michelangelo, símbolo do renascentismo. Fina ironia. A trajetória de David evoca a de uma sociedade que caminha para a perversão e para o gozo que nunca se realiza. Dizem que apesar de considerar o corpo humano a obra mais perfeita, Michelangelo o via também como uma prisão da alma.

David bem que tenta se desvencilhar da mãe, e participar de festinhas, saindo com os amigos da escola, frequentando baladas, mas sua dificuldade e sua ansiedade em se relacionar com pessoas de carne e osso é evidente. Toda a sua vida se resume a treinadores, colegas de academia, sua própria mãe. O desastre de suas experiências amorosas é inevitável, ele não sabe lidar com o outro. A química que se estabelece na relação mãe e filho em cena acrescenta camadas sensíveis ao filme. O final, de certa forma, é previsível. Dificilmente Davi conseguirá romper totalmente com o mundo em que cresceu, o único espaço que parece ter apreço pelo que ele sabe fazer. O caminho das drogas, anabolizantes, acaba se colocando naturalmente, quase como uma opção. O mundo do fisioculturismo parece ser o único caminho a seguir. Como um Narciso, David se consome em sua própria natureza. A visão dos corpos perfeitos e modificados por elementos químicos não sugere arrebatamento. Apenas superficialidade e solidão. O filme foi dirigido por Felipe Gómez Aparicio, é coprodução Argentina e Uruguai, e está na repescagem da #45mostra.

Luiza Lusvarghi

Pesquisadora e critica de Cinema e Audiovisual, professora da Unicamp SP

About Luiza Lusvarghi

Luiza Lusvarghi

Pesquisadora e critica de Cinema e Audiovisual, professora da Unicamp SP
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